… a primeira de uma série de perguntas. “De onde venho?” … “Como é que eu cheguei aqui?”
… uma segunda
pergunta: “O que é que se pode saber de uma maneira geral? E que vantagens nos
traz o saber adquirido? E será possível conhecer alguma coisa até à sua
essência?”
(...) a terceira pergunta. “Como actuar? Como viver? O que fazer e não
fazer?”
“Coleccionas perguntas. É bom.
Tenho mais uma pergunta para a tua colecção, a última dessa série: Para onde
vamos? Qual a finalidade do tempo?”
É estranho que
Deus, sendo intemporal, se manifeste no tempo e nas suas transformações. Se não
se sabe onde está Deus – as pessoas às vezes fazem perguntas destas -, é
preciso olhar para tudo o que se transforma e se move, para tudo o que
transborda da forma, ondula e leva sumiço, para a superfície do mar, as danças
do escudo solar, os tremores de terra, a deriva dos continentes, o degelo das
neves e o trajecto dos icebergs, os rios que fluem para os mares, a germinação
das sementes, o vento que esculpe as montanhas, o desenvolvimento dos fetos no
ventre materno, as rugas em torno dos olhos, a decomposição dos cadáveres nas
sepultaras, a maturação dos vinhos, os cogumelos que crescem depois de chover.
Deus está em todos os processos.
Deus pulsa em todas as transformações. Às vezes está presente, outras vezes,
menos presente e outras, ainda, ausente de todo. Na verdade, Deus manifesta-se
mesmo quando está ausente.
“ – Não se
trata de saber se Deus existe ou não existe. Não é assim. A questão é acreditar
ou não acreditar.”
“ – Eu acredito que existe. (...) Se Deus existe, o que
importa é que eu acredito. Se não existe, também não me custa nada acreditar.”
“Imagina agora
que não há Deus, tal como dizes, por baixo. Que não há ninguém a zelar por
ninguém. Que todo o mundo é uma grande confusão ou, pior ainda, uma máquina,
uma debulhadora estragada que, por ímpeto, continua a girar em torno do seu
eixo…”
(...) olhou mais uma vez em seu
redor (…). Esforçou-se mentalmente o mais que pôde e arregalou os olhos ao
ponto de começar a lacrimejar. Foi então que, por um breve instante, viu tudo
de maneira completamente diferente. O espaço estendia-se por todos os lados,
vazio e infinito. Tudo o que se encontrava naquele espaço morto, tudo o que
estava morto, tudo o que estava vivo, era impotente e solitário. As coisas
aconteciam casualmente e quando a casualidade falhava, aparecia uma lei
mecânica. A máquina rítmica da natureza. Os pistões e as rodas dentadas da
história. Regularidades que apodreciam por dentro e se dissipavam em pó. Frieza
e tristeza reinavam por todo o lado. Todas as criaturas ansiavam por abraçar algo,
agarrar-se a algo, a alguém, mas daí só resultava sofrimento e desespero.
E, agora compreendia de onde lhe
vinha aquela sensação de privação, aquela tristeza subjacente a toda a coisa, a
tristeza presente em todas as coisas, todos os fenómenos, desde sempre – era impossível
abarcar todas as coisas de uma só vez.
Outrora e outros tempos - Olga Tokarczuk
Sem comentários:
Enviar um comentário