De repente, toda a sua família parecia muito velha, rostos tisnados e sulcados de rugas, falta de dentes e cabelo, costas curvadas e pernas arqueadas pelo peso dos anos, da canseira e da falta de cálcio ou de vitamina D – ou talvez de ambos. Não conseguia encaixar aquelas pessoas naquelas de quem se despedira, há trinta anos, e cuja memória perpetuara nas fotografias a preto e branco, às vezes sépia, impressas numa cartolina dura e baça, de quatro por seis centímetros, algumas emolduradas por um rendilhado branco que arranhava como dentes de garfo.
- Tia Emília, é a senhora? - arriscou para a
que parecia mais nova, ainda assim com mais de setenta anos.
- Vossemecê é quem? – retorquiu a inquirida -
Olhe que estamos fartos de vigaristas que só vêm cá para nos roubar as pensões
com histórias de meios e de nozes e nós nem televisão temos, pois a electricidade nunca cá chegou.
- Pois olhe, eu sou o Arturinho (era um bocado
ridículo um homem de cinquenta anos tratar-se assim, mas era como o conheciam
na terra), o filho do Serafim, saí daqui quando o meu pai morreu, fiz-me à vida
para a ganhar e ser alguém.
- Ah sim, e conseguiu?
Respirando
fundo, muito fundo - ninguém é nunca valorizado na sua terra -, Arturinho respondeu
que sim que se tinha tornado em alguém, num escritor de renome lá na terra para
onde tinha emigrado em busca de uma identidade. Alcançou a bolsa lateral da
mala de viagem e exibiu, com orgulho, o seu último livro “O cozinheiro que tinha uma galinha de estimação”, de Artur Seixo.
A
velha mais jovem da vila olhou-o indiferente e atirou-lhe “Vossemecê é do
Seixo?” Que sim, que sim, era do Seixo, aquela linda terra onde se encontrava.
- Pois
olhe, amigo, está em Vilarinho e não no Seixo. E aqui não há Emílias, morreram
todas há mais de cem anos.
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