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terça-feira, 12 de abril de 2022

OS OLHOS AZUIS DE ADÓNIS

Ser belo foi a sua primeira qualidade.

Era, de facto, o homem mais belo que alguma vez vira, fiquei caída por ele no dia em que o conheci, um rosto de linhas clássicas e proporcionadas, olhos azuis da cor do mar do Portinho, cabelo ondulado louro da cor do trigo maduro das searas do Alentejo.

A sua segunda qualidade era não se levar a sério, nem a ele nem às dezenas de mulheres que lhe faziam o cerco, sobre as quais dizia que só o queriam pelo corpo e pela cara mas que ele não era homem objecto. Neste particular, dei-lhe sempre razão, homens bonitos não prestam e para objectos belos eu já tinha porcelanas, jóias, peças de ourivesaria que, ao contrário dum pedaço de carne, sobrevivem bem à usura do tempo.

Na noite em que, um pouco bebidos, dormimos juntos percebi que ser belo como uma estátua grega não dá garantia de competências para aquela particular função. Não me importei, o meu desígnio era outro e já estava traçado há muito. Engravidei, logo de gémeos. A quem quis ouvir (mas não havia quem), declarei que se tratava de ovulação dupla por cessação de estrogénios (vulgo pílula) e proclamei que iam ser lindos como o pai, louros de olhos azuis. Ao meu Adónis particular garanti que dele só queria o nome no registo, nada mais.

No dia do parto, valeu-me a sua terceira e de longe melhor qualidade – o sentido de humor com que encarou o irmão gémeo mulato do louro e de olhos azuis, o par que me saiu na rifa da inseminação artificial…

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