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terça-feira, 1 de março de 2022

A LONGA MÃO DA AUTORIDADE

Durante toda a sua vida adulta, levantou-se duas horas antes de se deitar, de banho tomado e com o fato da ginástica vestido, calçando os ténis cujos atacadores já estavam atados desde a véspera, correndo em seguida os cinco quilómetros que separavam o quarto da pensão onde vivia do local de trabalho, trabalhou trinta e seis horas por dia, recomeçando o processo a cada subsequente aurora ou ocaso.

Quis o acaso que no ocaso da vida tenha tido uma epifania e em vez de fazer a retrospectiva da vida que não vivera, percebeu, só então, que nunca tinha chegado a nascer e tudo não passara duma ilusão. Quando fechou os olhos, sem banho tomado e nu, acreditou que iria finalmente descansar em paz e para sempre, o que efectivamente não aconteceu, pois como ninguém se dignou a dar-lhe uma última morada, a Autoridade Tributária, continuou a mandar-lhe notificações de relaxe fiscal para o domicílio da pensão…


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