Era a irmã do meio, equidistante em idade da mais velha e da mais nova, estas com personalidades e vidas tumultuosas, em contraste com as meridianas doçura e serenidade daquela.
Retrospectivamente,
não sei se a doçura e a serenidade eram isso mesmo ou apenas contenção e
reserva, misturadas com desconfiança e mesmo manha, comuns em cidades pequenas
onde todos se conhecem e por isso têm muito, quase tudo, a esconder.
Depois
do escândalo da separação dos pais, assumiu as dores da mãe, que se
entrincheirara em casa de sua própria mãe – a qual, à distância de quase
cinquenta anos, parecia matriarca siciliana, de preto vestido, puxo esticado,
bigode no buço, esperta e viva mas analfabeta de letras – tanto que no nome
deixou cair o apelido do pai. Talvez por ser farto o quinhão, talvez porque os
princípios mudam conforme as circunstâncias, anos mais tarde, quando se abriu a
herança do pai, não deixou cair a sua parte.
A não
ser para o curso superior, para as férias na praia ou uma ocasional visita a
médicos, nunca saiu da terrinha, onde era professora do secundário. Casada, deu
início a vasta prole, e dedicou-se com afã de beata às obras da paróquia.
Os
filhos foram-se sucedendo, a última nascida já com a mãe entrada nos entas, foi
gravidez de alto risco. Uma alegria, porém, e baptizou-se a cria com nome de
santa, pela benção assim recebida.
Quando tudo parecia
ter terminado bem, afinal nada estava terminado e tudo estava bem longe de estar bem.
Sendo o
último rebento ainda de tenra idade, descobriu-se-lhe maleita rara, não sei se
grave, mas devia ser. De teste em teste, a perplexidade dos médico era
crescente, da mãe não vinha a doença, do pai também não, seria um fruto de uma
imaculada concepção?!
O ADN era
coisa recente, pelo que logo se fizeram os adequados testes que, sem apelo (mas
muito agravo, como se verá), provaram a não paternidade do marido da mãe. Este,
ferido na honra e dignidade, exigiu testes à demais prole, que determinaram
bastardia também do penúltimo.
Não
sei se por esta altura dos acontecimentos mantinha a filha do meio a serenidade
e a compostura de outrora, o certo é que, fosse por pressão familiar, fosse pela
ansiedade do diagnóstico ainda por fazer, revelou tudo, e veio a saber-se que a
concepção, ainda que não imaculada, tinha tido afinal água benta, bula e quiçá culpa
e confissão à mistura, pois o pai era nada mais nada menos que o padre da
paróquia a que ela tanta abnegada devoção consagrava.
O caso
deu brado e escandaleira na terrinha, donde ambos fugiram, com os cinco filhos
dela (dois dele), e assentaram arraiais noutra terra pequena, agora de casa e
pucarinha. Não se sabe se foram felizes para sempre, mas este não é conto de
fadas, é mesmo história da vida real.
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