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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

NOIVADO

Conheci o Edgar no primeiro dia da greve mecânica das escadas rolantes da Baixa-Chiado. Era uma quinta-feira da Espiga também dita da Ascensão.

A greve veio a durar dois anos mas isso não poderíamos saber. Nem nada do que veio a acontecer.

Começámos por nos apoiar mutuamente na progressão dos cento e vinte e cinco degraus de cada um dos quatro lanços, que nos tomava dois minutos e meio por lanço, dez minutos no total.

Nos primeiros dias trocámos queixas jocosas contra o Metro, a falta de manutenção e as cativações do Centeno, fosse lá isso o que fosse.

Prosseguimos pela sempre segura meteorologia, com dose dupla de quatro estações do ano, sem esquecer a transição energética.

Descobrimos que comungávamos de gostos próprios incomuns e de outros algo impróprios.

Ficámos diáfanos, transparentes.

Passei a gozar a antecipação daqueles dez minutos diários e a imaginar chás na Bénard, gelados na Haagen Dazs, sonhos fofos da Alcôa. Via-nos na Ourivesaria do Carmo a eleger solitário, a definir o serviço de copos e a baixela da Vista Alegre.

Vi Edgar pela última vez no dia do fim da greve. Era véspera do Corpo de Deus.

Para poder pagar o vestido tive que pôr o anel no prego. O vestido, quando o usei, deixara de me servir.

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