Conheci o Edgar no primeiro dia da greve mecânica das escadas rolantes da Baixa-Chiado. Era uma quinta-feira da Espiga também dita da Ascensão.
A
greve veio a durar dois anos mas isso não poderíamos saber. Nem nada do que
veio a acontecer.
Começámos
por nos apoiar mutuamente na progressão dos cento e vinte e cinco degraus de
cada um dos quatro lanços, que nos tomava dois minutos e meio por lanço, dez
minutos no total.
Nos
primeiros dias trocámos queixas jocosas contra o Metro, a falta de manutenção e
as cativações do Centeno, fosse lá isso o que fosse.
Prosseguimos
pela sempre segura meteorologia, com dose dupla de quatro estações do ano, sem
esquecer a transição energética.
Descobrimos
que comungávamos de gostos próprios incomuns e de outros algo impróprios.
Ficámos
diáfanos, transparentes.
Passei
a gozar a antecipação daqueles dez minutos diários e a imaginar chás na Bénard,
gelados na Haagen Dazs, sonhos fofos da Alcôa. Via-nos na Ourivesaria do Carmo
a eleger solitário, a definir o serviço de copos e a baixela da Vista Alegre.
Vi
Edgar pela última vez no dia do fim da greve. Era véspera do Corpo de Deus.
Para
poder pagar o vestido tive que pôr o anel no prego. O vestido, quando o usei,
deixara de me servir.
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