Com a aproximação
do dia da minha festa de noivado, os silêncios tomaram conta da minha vida – da
minha, da do meu futuro noivo e da daquele que com ele competia, silêncios
feitos de sombras e de escuridão.
A
minha vida dupla recebeu a nova identidade duma pessoa que, saída de dentro de
mim, não me deixava nem um segundo, perseguindo-me, colada nos meus pés, na
minha sombra, gritando-me remoques e críticas que eu sabia serem merecidas mas
que nem por isso surtiam efeito.
Encontrávamo-nos
todos os dias durante pelo menos duas horas, eu e o meu amante. Fazíamos o que
fazem os amantes, com paixão que progressivamente se mesclava com o desespero
que me habitava. Ele não sei, eu nem nesses momentos deixava de pensar na
estranha em que me tornara, capaz de amar um e o outro, sem de nenhum querer
abdicar.
À
medida que o dia se aproximava, abraçávamo-nos com mais força, suávamos mais
abundantemente. Passei a viver em função dessas duas horas diárias, antes era a
espera era a antecipação, durante era o transe e o abandono, depois era o
penoso recomeço duma contagem decrescente de horas e minutos, de um jejum de
quaresma que não redime porque vive do pecado, mas ainda assim jejum sério, tão
sério que no dia do noivado no vestido cabiam duas, eu e a minha dupla, o que,
sendo adequado, não chegou para encher o vestido, que ficou abandonado e só no
silêncio da sombra do quarto.
(A partir de O Museu da Inocência, de
Orhan Pamuk)
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