- E p’rá acabar em cheio, piso uma casca de banana, escorrego, caio e parto um braço. Quando faltam duas semanas p’ra tirar o gesso, vou à farmácia num dia de chuva, faço aqua planning no chão de mármore, deslizo em voo picado e aterro no balcão de atendimento, bato em cheio co’outro braço, parto o pulso, mais um gesso.
Há trinta minutos que não avançava de página,
aliás nem sequer na página, na qual se descrevia um Wilt deitado com uma jarra
invertida sobre o baixo ventre. A voz, abafada, não estridente, continuou a
desfiar o rosário das desgraças.
- Dois dias depois, vou a subir umas escadas,
desequilibro-me – o
médico quando me tratou até me disse que deveria de ser derivado a ter os dois
braços tolhidos porque os braços, a bem dizer, são assim uma espécie de asas,
ajudam ao equilíbrio, até porque não se vê pássaros a voar sem asas [foi perante este argumento de fino quilate que me rendi à inevitabilidade de ter que adiar a
leitura, aliás já não queria saber do livro para nada, esta realidade era bem
mais capitosa] – torço-me e, p’ra não
cair, estico o braço (o do
pulso partido) todo pr’á frente, tanto qu’o desencaixo do
ombro, co’a dor desmaio e acabo por me estatelar nas escadas. Resultado: uma
luxação do ombro, nariz e dentes da frente partidos. Tenho
qu’ir à bruxa, é o que é. E a conta
do dentista?! Um susto, ia desmaiando outra vez…
Pelo canto do olho observo a desgraçada vítima
daquela sucessão de azares e vejo uma figura de idade e sexo indefinidos, sem
formas, ou melhor, com forma de saco de batatas, dois braços engessados, um até
ao cotovelo e outro na zona do pulso, este encimado por um suporte de couro que
o ligava ao ombro, uma tala do nariz e uma chaga no sítio da boca. Dupla chaga,
aliás: para a própria e para os nossos ouvidos.
Se por um lado pensava que histórias destas não
se inventam não deixei de a imaginar como uma personagem do meu livro – o livro
que ela não me deixava ler -, que, ganhando vida própria, galgara pela borda
das páginas…
Afastei o pensamento, galgar não era boa ideia,
ainda havia duas pernas e uma cabeça sãs para estragar e partir, homem
invisível era outro livro que já lera há muito, e eu apenas queria renovar a carta de
condução.
Sem comentários:
Enviar um comentário