Estava-se no fim do Verão de 1985, o Verão do Live Aid em que a Aids, pela mão de Rock Hudson, saiu do armário. Marrocos era um destino de sonho, mitificado por Casablanca e nem tanto por Sebastian, personagem sórdida de Brideshead, que aí se exilara, morrera e sepultara.
Havia nos cafés uma juventude
culta e letrada, sedenta de liberdade, que era tudo o que lá não se vivia - na fronteira de entrada, a bagagem foi
metodicamente escrutinada e o Expresso, que, como todos os jornais, era
material subversivo, logo ficou confiscado. Já as ruelas dos kasbah pareciam ter cristalizado cinquenta
ou mais anos antes.
Foi em Tânger que me
compraram, custei em dinares o equivalente a alguns contos de réis, recordação
de viagem destinada à mãe de quem me comprou. Embrulhado em papel de seda por baixo
de papel de embrulho, fui para o fundo duma mala que se guardou na mala do Citröen
BX –modelo que nesse ano ganhou celebridade devido a uma certa rodagem feita por
um certo não político com destino a um certo congresso que ficou para a
história - pois 1985 foi também o ano em que emergiu Cavaco. Regressei
tranquilo, não houve controlo à saída, tão pouco na fronteira de entrada, feita
ainda por barco de Ayamonte para Vila Real de Santo António –o cavaquismo estava ainda no futuro, assim como a ponte sobre o Guadiana.
No dia do regresso viajei para
Portimão, onde fiquei alguns dias, e depois para o Porto, sempre num fundo de
mala. Estive alguns anos na mesa de vidro da sala de visitas da casa dos pais
de quem me comprou, visitas não as vi porque ficavam sempre noutra sala, à
entrada. Depois vim para Lisboa, onde já habitei duas casas e agora estou na
cozinha, em cima dum armário branco, porque a consultora de Feng Shui disse que
a cozinha precisava de verde.
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