Cheguei a Campanhã completamente encharcada. Na verdade, desafiara temerariamente a intempérie, metendo os pés a caminho à procura de um táxi que me levasse à estação. 10 minutos de caminhada bastaram para ensopar a parka, o chapéu dito impermeável, a mochila, o trolley, dois livros da bolsa exterior deste.
No meu relógio faltavam 42 minutos para o combóio. Decidi ir ao bar, para confortar o estômago. Infelizmente, não tivera fome antes de sair de casa, pelo que, em vez de umas saudáveis papas de aveia (eu sei, papas de aveia soa a comida inglesa sensaborona, mas eu gosto de papas de aveia, matam a fome e ajudam-me a manter a linha…) ia comer uma porcaria qualquer. Bom, não foi porcaria nem qualquer, foi um delicioso croissant folhado, de manteiga, ao melhor estilo parisiense, antecedido por uma maçã (fica sempre bem apaziguar a consciência, já que enganá-la não podemos…).
Enquanto esperava a minha vez ao balcão, alguém me tocou no braço e, surpresa! Era a R., que não via há mais de três meses e que também tinha vindo ao Porto. Sentei-me na sua mesa, e, enquanto debicava o lanche, íamo-nos pondo mutuamente ao corrente das últimas novidades, algumas tristes, como o internamento de um conhecido comum, com prognóstico reservadíssimo (uma constante nos últimos muitos anos, de sofrimento para o próprio e família).
De vez em quando olhava para o relógio e descansava, ainda não eram horas.
Até que decidimos que eram. Como, pelo relógio de pulso, ainda faltavam quase dez minutos, procurei, com vagar, o bilhete, para confirmar a carruagem. Entretanto a R. desapareceu e eu achei que eram horas de me pôr a mexer dali para fora, apesar da tentação de ir comprar outro croissant. Não fui e ainda bem. No túnel de acesso aos cais, vi que na linha oito o sinal piscava, sinal de partida iminente. Corri o mais que pude enquanto nos altifalantes alguém falava da partida do Alfa para Lisboa… Na plataforma constatei que era cinco minutos mais tarde do que o mostrador do meu relógio de pulso informava, ou seja, faltavam dois minutos para o combóio sair. Lá entrei na minha carruagem, tomei assento e cruzei-me novamente com a R., que viajava no banco por trás do meu.
Emprestei-lhe um livro lindíssimo que me tinha sido oferecido pela minha irmã – A Cerimónia do chá, de Wenceslau de Morais, cujas ilustrações me fizeram, mais do que nunca, querer voar para o Japão.
Acabei de ler “As maçãs azuis – Goa 1948-1961” de Edila Gaitonde, livro que me deixou difusamente frustrada e insatisfeita. Esperava mais e melhor – mais informação, melhor escrita, mais consistência, melhor cronologia de datas e factos, mais contextualização...
Chegámos, por fim, a Santa Apolónia. R. despediu-se e foi para a saída, não sem antes me perguntar se dispunha de transporte para regressar a casa. Pequenas gentilezas caídas em desuso.
Enquanto me preparava para abandonar o combóio, apercebi-me de que uma rapariga entregava ao empregado do bar um telemóvel que teria encontrado caído no banco por trás do meu. Desconfiada de que poderia ser o telemóvel de R., perguntei-lhe se era um blackberry. Que sim, respondeu ela. Então vá lá ao homem e veja se toca, disse-lhe, em tom de comando que não admitia réplica, enquanto buscava freneticamente o número do telemóvel de R. no meu próprio aparelho. Pois não era que tocava e o número do visor do blackberry era o meu?!.
Arranquei o blackberry das mãos do empregado do bar e corri até à primeira porta de saída, onde R. estava já desconfiada de que lhe faltava o dito cujo. Entreguei-lho.
Rimo-nos.
Ainda não tinha acabado de me rir quando me tocaram no ombro. Era o revisor com a minha écharpe na mão. Com a atrapalhação e as pressas havia-a deixado não sei onde.
E, se não tivesse sido o revisor, teria ficado a matutar o que tinha acontecido àquela écharpe que me ofereceram em Sevilha e que resolvera levar naquele fim de semana ao Porto, tal como, se eu não tivesse antecipado que o telemóvel perdido poderia ser de R., esta teria demorado algum tempo a reavê-lo...
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