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sábado, 28 de fevereiro de 2015

A ARTE DE PROCRASTINAR

Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Álvaro de Campos, Adiamento

Em cada 6ª feira à noite sou como o poema de Pessoa – é nesse fim-de-semana que vou conquistar o mundo, tratar de todos os pendentes, arrumar a montanha russa de papéis que me invade a casa, separar roupas que não uso, encontrar umas chaves que, de tão bem guardadas, não sei onde estão, levantar-me às 7h da manhã e caminhar uma hora e ainda fazer uma sessão de chi kung ao ar livre, limpar os livros da estante, ler dois livros por dia e esvaziar a caixa de gravações da televisão….
Em cada noite de 6ª feira ou adormeço no sofá às 10h da noite ou tenho uma crise de hiper-actividade e adormeço no sofá à 1h da manhã.
Independentemente da opção, acordo todos os sábados com uma falta de energia atroz e a ressacar valentemente da adrenalina dos últimos cinco dias ditos úteis – e que, para mim (e muitas pessoas que conheço), são cada vez mais inúteis, a ponto de me deixarem em cada vez mais avançado estado de incapacidade funcional durante os dias ditos de lazer.
Levanto-me a custo, passadas há muito as 7h da manhã, vegeto entre as divisões da casa sem saber por onde começar a fazer o que tem que ser feito – da casa de banho para a cozinha, para preparar o chá verde que bebo em jejum, para o quarto para arranjar a roupa que vestirei nesse dia, novamente para a casa de banho para lavar cara, enquanto fecho os olhos para não ver as olheiras do cansaço acumulado.
Isto feito, coloca-se a questão da conquista do mundo. Eu disse conquista do mundo?! Foi engano, juro! Pois se estou no estado catatónico e semi-comatoso (eu sei que são estados incompatíveis entre si mas a verdade é que nessa bi-polaridade que eu me sinto em cada Sábado de manhã) em que estou só pode ser porque o mundo centrífugo em que vivo me conquistou a mim.
As horas vão passando e na minha cabeça ecoam várias vozes, todas a darem-me ordens contraditórias sobre o que fazer, quando, como e porquê. E, tal como o cão que se quer deitar mas anda atrás da cauda, vou dando voltas concêntricas, pego em papéis que devia deitar fora e limito-me a mudá-los de gaveta, pasta ou arquivador, guardo roupa que há muito deveria ter sido posta a andar, porque está gasta ou já não cabe nos roupeiros e gavetas (mas gosto tanto dela e fica-me tão bem), olho para os sapatos que precisam de conserto, mas infelizmente é sábado e o sapateiro faz semana americana e nem sequer me ocorre deixá-los de lado para os levar para arranjar durante a semana – afinal o sapateiro fica dois quarteirões adiante…
Se for inteligente, vou fazer um treino físico intenso ou uma sessão de 40 piscinas e volto com o corpo amolecido e cabeça vazia de vozes.
Preparo um almoço bem retemperador e deito-me na chaise-longue, bem tapada com uma manta quentinha, preparada para atacar a caixa das gravações; invariavelmente 10 ou 15 minutos depois estou a dormir profundamente, e assim me mantenho durante as duas horas que dura o filme.
Acordo, bocejo e espreguiço-me. Agora sim, estou relaxada e descansada e já me esqueci de que há mundo para conquistar, papéis para arquivar e caminhadas para fazer.
2ª feira vou muito a tempo de tratar desses assuntos. Agora quero é cozinhar um bom jantar macrobiótico, se possível, sem sujar muita louça…

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