De visita à Biblioteca Nacional de Espanha, fui "cair" na exposição dos retratos de todos os galardoados com o Prémio Cervantes, de 1976 a 2013 (o retrato do premiado de 2014 ainda não constava, por razões óbvias), que me suscitou algumas reflexões.
1. Metade dos “Cervantes” eram espanhóis, sem contar com alguns que entretanto adquiriram tal nacionalidade. Aliás parece que é norma atribuir-se o prémio a um espanhol num ano e no seguinte a um escritor das Américas (Norte, Centro, Sul, Caraíbas, uff, acho que me lembrei de todas!)
2. Três “Cervantes” também receberam o Nobel da Literatura - Octavio Paz, Camilo Jose Cela e Mario Vargas Llosa, o que diz muito do viço das letras hispânicas.
3. Gabriel Garcia Márquez, Nobel da Literatura em 1982 e autor do mega-valorizado “Cem anos de solidão”, nunca recebeu o Prémio Cervantes (Gabo é um excelente escritor – estou a adorar Crónica de uma Morte Anunciada - mas não consigo aderir ao êxtase colectivo que Cem anos de Solidão provocou nos idos de oitenta do século passado).
4. Descobri que já tinha lido obras de oito deles, sem qualquer mérito da minha parte mas apenas porque integro um Clube de Leitura do Instituto Cervantes. É que, para além dos nomes dos Prémios Nobel (de que só li Vargas Llosa), e de Borges, de Torrente Ballester, de Bioy Casares, de Cabrera Infante, nem o nome dos demais conhecia. E o que li faz-me querer ler mais obras de alguns deles – Benedetti, Vargas Llosa, Ana María Matute, só para referir alguns.
5. Dos 40 galardoados, apenas quatro são mulheres, tendo dois dos prémios sido atribuídos nas últimas cinco edições (2010 e 2013), o que prenuncia que ventos de mudança estão para vir, pois acredito que o Júri (já) não sofrerá do preconceito que levou Claude Lévi-Strauss a bater-se contra a nomeação de Yourcenar para a Academia Francesa "porque as regras da tribo não se mudam" (lido, relido e trelido - para ter a certeza de não haver treslido - em "As mulheres que escrevem também são perigosas"). Tal circunstância dever-se-á antes ao facto de as mulheres terem estado endemicamente afastadas das letras, das artes, das ciências, da sociedade em geral – desde logo, raras eram as que acediam a estudos médios quanto mais superiores - e muito poucas se haverem destacado no mundo claustrofóbico e esclerosado que, nos dois lados da Península em que vivemos, se prolongou até ao último quartel do século XX. Não acredito em amanhãs que cantam mas quero acreditar que o futuro será necessariamente diferente porque o presente aí está para provar que as mulheres já fazem parte da massa crítica da nossa sociedade e têm muito para dar.
6. TODOS os Cervantes tiveram e têm uma longevidade absolutamente notável – e, aliás, só por esse facto é que lhes foi atribuído o galardão, pois a verdade é que, dos 40, apenas 6 tinham menos de 70 anos à data da atribuição, nenhum morreu antes dos 75 anos, o mais velho morreu com 103, e os que ainda estão vivos variam entre os 78 anos (Vargas Llosa, Cervantes 1994 e Nobel 2010) e os 100 anos (Nicanor Parra, Cervantes 2011). Talvez este facto contribua para a atribuição futura do "Cervantes" a escritoras cujo percurso ainda se está a forjar.
Chegada aqui, concluo que a longevidade anda de mãos dadas e se alimenta do trabalho intelectual intenso, o qual, como todo o trabalho, para dar frutos, necessita de perseverança, amadurecimento, constância, regularidade e rotina.
E lembro-me de outros nomes, noutras artes, alguns vivos e prolixos, com obra mais que feita mas que continuam a criar (nalguns casos, à razão de uma obra por ano…), não constando que queiram reformar-se, como Manuel de Oliveira (106 anos), Gonçalo Ribeiro Telles (91 anos), Júlio Pomar (89 anos), J. Rentes de Carvalho, Lourdes Castro, Clint Eastwood e Maria de Lurdes Modesto (84 anos), Siza Vieira (81 anos), Leonard Cohen, Helena Almeida, Paula Rego, Maggie Smith e Judi Dench (80 anos), Woody Allen (79), Robert Redford (78 anos), Vanessa Redgrave (75 anos), Jane Fonda (74 anos), outros já no reino dos mortos, cujos legados, fruto do laborioso trabalho que desenvolveram em todos os dias das suas vidas, agradecemos – assim de repente, vêm-me à ideia Padre António Vieira, Ilse Losa, Jorge Amado, Camilo Castelo Branco, Júlio Resende, Almada Negreiros, Maria Helena Vieira da Silva, Malhoa, Régio, Goya, Picasso, Matisse, William Turner, Einstein, Bernstein, Händel, Bach, Vivaldi, Hitchcock…
Pessoalmente, desejo ardentemente ter uma longevidade que me permita fazer tudo aquilo de que gosto - escrever, investigar, criar, inovar, viajar, ler, ouvir música, discutir ideias -, com a consciência de que, por muitos anos que viva e por muito que me esforce, nunca conseguirei ler todos os livros que quero, ouvir todos os compositores de que gosto, visitar todos os países que me fascinam nem os museus onde repousam as obras dos meus pintores favoritos, experimentar e recriar todas as receitas que tenho anotadas no meu caderninho de apontamentos culinários...
E é aqui que reside a motivação para viver e seguir em frente - ter sempre (mais) um objectivo para cumprir.
Tempus fugit, carpe diem...
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