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segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

REFLEXÕES INTEMPORAIS

 "Um dia temos que perder a pessoa que amamos. E se alguém não suporta isso, não vale o esforço, porque não é um homem íntegro."

"Mas conheces a realidade!" (...) "A realidade não é a verdade (...). A realidade é apenas um pormenor."

"Os ingleses, sim, eles protegem-se. Levam consigo a Inglaterra na mala. O seu orgulho cortês, o isolamento, , a boa educação, os campos de golfe e de ténis, o whisky e o smoking que vestem à noite nas casas de telhados de lata, no meio dos pântanos."

"A solidão também é uma coisa bastante curiosa ... às vezes é como uma selva, cheia de perigos e de surpresas. Conheço todas as suas variantes. O tédio que queres afastar em vão, com um modo de vida construído artificialmente.  Depois as crises súbitas. A solidão também é tão misteriosa como a selva (...). Uma pessoa vive, segundo uma ordem rigorosa, até que um dia se descontrola e perde a cabeça (...). Tem uma casa com quartos à sua volta, título e posição, e um modo de viver regulado até à loucura. E um dia sai a correr de tudo isso, com arma na mão ou sem arma... que é quase mais perigoso. Sai a correr para o mundo, com aquele olhar fixo nos olhos (...).   Mas é pior quando  um pessoa reprime essas emoções que foram acumuladas na alma pela solidão. Não corre para lado nenhum. Não mata ninguém. Que é que faz? Vive, espera, mantém a ordem. Vive, como os monges, segundo um regulamento pagão, laico... mas para o monge é fácil, porque tem fé. Essa pessoa que entregou a sua alma e o seu destino à solidão, não tem fé. Apenas espera. Espera aquele dia ou hora em que possa discutir mais uma vez com a pessoa ou pessoas que o levaram àquela situação."

"...com aquela paixão, cujo ardor faz lembrar o das relações mais intensas - sim, do amor. (...) quando um sentimento, uma paixão, se apodera por inteiro da alma humana, ao lado do entusiasmo sempre arde abafado também o desejo de vingança no fundo dessa fogueira... Porque a paixão não argumenta com palavras da razão. Para a paixão é completamente indiferente aquilo que recebe do outro, quer exprimir-se por inteiro, quer transmitir a sua vontade, mesmo que se não receba em troca mais do que sentimentos ternos, cortesia, amizade ou paciência. Todas as grandes paixões são sem esperança, de outra forma não seriam paixões, apenas acordos, compromissos razoáveis, trocas de interesses banais."

"Como todas as pessoas que os deuses amam sem qualquer razão, no fundo dessa felicidade também sinto uma certa angústia. Tudo é demasiado bonito, sem rupturas, perfeito. Uma pessoa tem sempre medo duma felicidade tão ordenada. (...) Sabes, uma pessoa gosta de devolver aos deuses algo da sua felicidade. Porque os deuses são invejosos, como se sabe, e quando oferecem um ano de felicidade a um mortal comum, anotam logo essa dívida e no fim da vida reclamam-na com juros de usura."

"Não é verdade que o destino entre cego nas nossas vidas, não. O destino entra pela porta que nós mesmos abrimos, convidando-o a passar."

"Afinal, tudo é tão simples - tudo o que foi e o que poderia ter sido. Tudo o que outrora eram factos, tornam-se pó e cinzas. Aquilo que queimava os nossos corações de tal maneira que pensávamos que não podíamos suportá-lo , que morríamos ou matávamos alguém, (...) tudo isso se torna pó, menos consistente que o pó que o vento levanta e  se arrasta sobre os cemitérios."

"Que significa fidelidade, que é que podemos esperar da pessoa que amamos? (...) Quando exigimos fidelidade, queremos que a outra pessoa seja feliz? E se a outra pessoa não é feliz na prisão subtil da fidelidade, amamos essa pessoa de quem exigimos fidelidade? E se não amamos o outro de modo a fazê-lo feliz, temos o direito de exigir algo, fidelidade ou sacrifício?"

"Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, (...) pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso é também velhice. (...) Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, nõ, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade, e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente."

"No fim, o mundo não importa nada,. Só importa  o que fica nos nossos corações."

As velas ardem até ao fim, Sandor Marai.
 

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