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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

DELITO DE OPINIÃO

Queremos mudar o mundo, queremos mudar o sistema, queremos mudar a sociedade. Tudo seria mais fácil se começássemos por mudar a nossa relação com os outros. Se adquiríssemos o talento de unir o que vemos fragmentado, de congregar o que está disperso. Se soubéssemos ir ao encontro de quem nos rodeia.

Às vezes basta um gesto apaziguador, uma palavra amável, um sorriso que se rasga na face sempre sisuda. «Na superfície das coisas vê-se a essência das coisas», escreveu Saul Bellow em Ravelstein.

A sociedade, o sistema, o mundo não mudam se não começarmos por mudar também algo de essencial na nossa relação com os outros. Nos actos mais singelos do quotidiano.

Escrevo estas linhas enquanto o sol vem espreitar-me da janela: é quanto basta para sentir-me grato por este dia. Penso nos que sofrem sob o mesmo sol que me aquece e me inspira e me ilumina. E questiono-me o que poderei fazer para atenuar a angústia ou aliviar a dor de alguém. Não da Humanidade em abstracto, como me sugerem os demagogos de plantão, mas de uma pessoa em concreto.

Uma palavra, um sorriso, um gesto, um abraço, um olhar. Às vezes só isto é necessário. E somos incapazes de dar esse passo. Como se quiséssemos o sol todo só para nós.

Num mundo polarizado, que tem como batalhas principais o cancelamento de ideias, a queima de livros, a reescrita da História e a criminalização do delito de opinião, o homónimo Delito de Opinião é um blog de leitura obrigatória que sigo desde a respectiva criação. Os autores escrevem bem e, quase sempre, com pertinência, elegância e, alguns deles, com muito humor, às vezes fino, às vezes britânico, outras vezes, simplesmente, humor.

Revejo-me nas entradas do Pedro Correia, que é com certeza da minha geração e terá mais ou menos a minha idade. A sua família e a sua educação terão sido equivalentes às minhas, as leituras de sua casa seriam similares às que se faziam por minha casa, quis a vida que sejamos actualmente depositários das bibliotecas que um dia pertenceram aos nossos progenitores.

Reproduzo a entrada de hoje, que me tocou especialmente. Na verdade, o mundo seria um lugar infinitamente melhor se cada um dos seus sete biliões de habitantes tentasse apenas aperfeiçoar-se – melhorando dentro daquilo que é, já que mudar, mudar, ninguém muda. É só ver os magníficos exemplos que a História nos dá de luminárias que quiseram mudar o mundo, a sociedade e os seus semelhantes – normalmente contra a vontade destes, pormenor insignificante para as ilustres luminárias. ´

Num testemunho dado ao Público em 2004, no âmbito duma reportagem sobre ex ML da década de 70, em que se incluíam muitas, tantas pessoas conhecidas das elites portuguesas, de então e de agora, Pedro Baptista, dirigente dum grupo maoista-ml que grassou no Porto dos anos 70 do século passado, e que entretanto foi respirar melhores ares, habitar melhores lugares e privar com melhores pares, disse, mais ou menos, isto “queríamos mudar o mundo, felizmente não conseguimos, senão o mundo ter-se-ia tornado num lugar horrível”.

À atenção das elites actuais que acham que, por lei, podem mudar o  mundo, a sociedade e os seus semelhantes. Ainda por cima, ao contrário daquela geração de gente aguerrida, ainda que pouco recomendável, os de agora são uns burgueses insuportáveis, pouco dados a estudos e aprofundamentos, porque arrogantemente portadores de títulos de especialistas, tão especialistas que uma lei de má fama que tentam fazer aprovar há uns quatro anos já sofreu um veto de bolso e duas declarações de inconstitucionalidade.



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