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quarta-feira, 20 de abril de 2022

PAPEL DE CARTA

  
Recebi por estes dias uma carta dum amigo. Uma novidade, pois há muito que a correspondência que entra na ranhura da caixa do correio se subsume a duas categorias – a indesejada e contas, esta sub-espécie da anterior.    

A primeira espécie está, apesar de tudo muito circunscrita por termos aviso de não querer publicidade, e consiste em folhetos de imobiliárias - invariavelmente perguntando se “a sua casa está à venda” (não, não está e quando estiver não será com certeza a V. Exas que me dirigirei), que arquivo no caixote do lixo junto das caixas do correio, brochuras da Junta de Freguesia em papel couché caríssimo e nada amigo do ambiente, com propaganda à dita autarquia e que só não arquivo imediatamente no contentor destinado à reciclagem porque, masoquisticamente, ainda leio aquele lixo, talvez na tentativa de fazer subir a tensão arterial sistólica que, por norma, não chega aos 11, correspondência da Câmara da Moita dirigida ao vizinho do quarto andar e que, agora que, há quase um lustro, o vizinho se mudou para parte incerta, arquivo junto das brochuras das imobiliárias. As contas, sendo embora sub-espécie da indesejada, são essenciais para a manutenção do nosso padrão de vida – luz, água, gás, impostos, bancos, cartões disto e daquilo – mas o seu volume diminuiu drasticamente com as facturas electrónicas a que aderimos contra promessas de descontos nunca escrutinados.

Cartas, votos de boas festas, congratulações por nascimentos, aniversários ou bodas, pêsames, tudo isso passou a digital - e-mail, sms, whatsapp – embora me conste que as cartas ainda se escrevem com os dedos. Telefonemas em ocasiões  especiais também já há poucos, telefona-se muito para falar de banalidades, efeito perverso da descida astronómica dos custos das telecomunicações.

Dizia eu que recebi uma carta. Querendo retribuir a amabilidade, descobri que não tinha papel de carta e envelopes só comerciais, pelo que fui à Papelaria Fernandes em demanda de adequado suporte a tão jurássica tarefa. Numa prateleira encontrei papel de farta gramagem e variados tamanhos e tonalidades, que iam do branco imaculado ao púrpura cardinalício, o que logo me suscitou a vexata quaestio da cor da tinta a usar... Entabulando conversa com a empregada perguntei-lhe se não tinha um bloco de folhas que se descolam uma a uma à medida que se escrevem, próprias para correspondência, recordando os blocos de folhas tão finas que só sobreviviam incólumes se a pena fosse ligeira, destinadas àquelas cartas que se expediam por AIR MAIL, num tempo em que se escrevia muito, os tostões valiam milhões e quem vivia além-mar tinha pressa em receber e enviar notícias, como foi no caso da minha mãe e da minha tia, sua irmã mais nova, durante os vinte anos em que esta viveu em Moçambique.

Pois isso não havia, às vezes apareciam uns blocos diferentes, vindos da América, próprios para carta, de tamanho mais comprido e mais estreito que o nosso A4, só que agora e ultimamente não têm... Agradeci a informação, comprei um bloco A5 manhoso, que diz “notas” e, tal a transparência do papel, deve ser apto ao AIR MAIL se este ainda se usar.

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