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segunda-feira, 18 de abril de 2022

MANHÃS DE PÁSCOA

As manhãs de Páscoa na aldeia de minha mãe estavam, para mim, associadas a uma enorme azáfama: eram as limpezas, os cozinhados, as colchas de cetim de cores garridas que, impregnadas de mofo e naftalina, saltavam do fundo de baús para as sacadas e janelas, era o vaivém do mulherio que se afadigava nas últimas limpezas e preparativos, que culminavam com a preparação da mesa pascal para o Sr. Abade e o Compasso – o vinho do Porto, dito “vinho fino”, folar, pão-de-ló, fatias de queijo, triângulos de pão de forma, alguns salgados, tudo primorosamente cortado e colocado em pequenos pratinhos, cada fatia ou pedaço encimado por um palito que dispensava lavagem de mãos, numa simetria que só aparentemente contrastava com a negligência do desalinho das amêndoas de Paris e das amêndoas torradas, atiradas às mãos cheias sobre a mesa.

Com as portas e janelas escancaradas, a rua atapetada com flores e ramos de verdura, as jarras obesas com flores frescas acabadas de apanhar, “lá em baixo no campo”, aguardávamos, com o nervosismo de figurantes em noite de estreia, a entrada em cena do Compasso.

Este fazia-se anunciar lá longe mas desde que o ouvíamos até que chegasse à nossa porta passava muito tempo, demasiado tempo para a minha impaciência infantil.

Até que – anti-clímax! - chegava o Compasso. Reuníamo-nos todos na entrada da casa, eu, sem perceber nada, imitava os demais, ajoelhada, baixava a cabeça, encenando uma santidade que nada tinha a ver comigo, ouvindo sem entender a ladainha do Sr. Abade, mas sempre à espera do “ataque” à sala do lado.

Tudo isto se passava em casa dos “Padrinhos”, que não tiveram nunca outro nome mas que para mim funcionaram como os avós que não tive. Eram os “Padrinhos” para todos nós - embora fossem, na verdade, Padrinhos de baptismo e de casamento de minha mãe, de baptismo e de casamento de meu irmão mais velho e, ele, Padrinho de baptismo de meu outro irmão. Guardo deles as recordações possíveis, passadas que são mais de quatro décadas sobre as suas mortes. Recordações quase sempre de festas e de almoços de família – era o Natal, o Ano Novo, por vezes os Reis, com as rabanadas de vinho, o bolo-rei vindo do Porto, com diâmetro de pneu, “queijo branco” (da serra, por oposição ao flamengo, “amarelo”) apenas um pouco menos ancho do que o bolo-rei, a Páscoa, muitos, muitos Domingos, o almoço semanal na nossa casa do Porto.

(…)

Excerto de um original de Maio de 2013, blog Paodecereais

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