Linhas depuradas negras desenham um rosto feminino, que convocaria Modigliani não fosse uma venda donde exorbitam uns olhos excêntricos sugerir um Picasso dos anos 30.
Comprei-o numa feira da ladra, nas margens do Sena, atraída que fui pela incongruência – até hoje insolúvel – de juntar numa só obra traços de dois pintores das vanguardas seminais do século XX. E isto porque, a par de vanguardas, gosto de incongruências e de falsas aparências.
Já em pequena me fascinavam os postais brilhantes e garridos em que uma mulher aparecia ora sorridente, de cabelo armado e piscar de olho maroto, ora de olhos bem abertos, bandolete e lábios sérios. Noutros postais, atraía-me a dicotomia dum pôr-de-sol em brasa e duma lua cheia grávida de luz. Neste caso, porém, não tenho a certeza de que os postais tivessem existido mesmo ou apenas na minha imaginação.
À minha tela branca de 20 vezes 20 centímetros chamo o meu Modiglicasso, pintor imaginário de vida pouco boémia que cria obras de arte originais de grandes pintores falecidos.
Um dia, ofereceram-me por ela uns valentes milhares de euros. Fiquei rica. Ou pelo menos é o que penso quando a admiro, agora escondida, filha de pintor incógnito.

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