Em criança, chá era sinónimo de um xarope morno que se tomava à noite em casa dos padrinhos da minha mãe, bebido à colher ou encharcado em bolachas maria e, por fim, deglutido em conjunto com a pasta formada pelas migalhas das bolachas e pelo açúcar por dissolver. Esta magnífica mistela vinha acondicionada em chávenas de pirex, que se recebiam contra a entrega de cupões de OMO (ou de Ajax ou de coisa que o valha) – e que, tantas eram as chávenas, que o detergente se compraria em paletes para tomar ao pequeno almoço e limpar os efeitos da bebida xaroposa da véspera.
Eu pensava que o chá vinha da
mercearia do Nunes, que ficava no gaveto formado pela viela que ia para o campo
e pela rua que dava acesso ao Pinhal do Lima – à época ainda pinhal, agora uma
urbanização -, ou, no Porto, da Casa do Chá da D. Maria José, que ficava na Rua
das Flores, mas aprendi num livro das “Gémeas” que o verdadeiro chá vinha da
China - não da Índia. Isto muito antes de ter ficado a saber das manigâncias
feitas pelos ingleses para não terem que pagar a pronto à China a sua droga de
então, “agarrados” que estavam às folhas da camelia
sinensis.
Anos depois, na Velha Albion, aprendi
o que era azia, à custa de beber um chá cor de café, sem farrapinho de leite
nem açúcar, mas de que comecei a gostar, tomado ao pequeno almoço com torradas
e muita marmelade. Nem o chá era bom
nem as torradas prestavam mas, aos dezanove anos, a liberdade e a magia de uma Summer School na terra da Agatha
Christie fazem milagres.
Mais uma década passou e novas
viagens às terras de sua Majestade e incursões na bi-centenária e cheia de pedigree Twinnings ou em Food Halls do tamanho das Amoreiras, fizeram-me
embarcar em novas aventuras sensoriais e descobrir as subtilezas dos morning versus afternoon teas, as delicadezas das primeiras apanhas que fazem do
chá uma requintada bebida cor de palha, e, sobretudo, aprender que o chá se
bebe em chávenas de porcelana, se possível casca de ovo (e nunca, nunca à
colher…).
Depois de experiências várias,
que incluíram trauma perpétuo após prova de um lapsang souchong, chá
chinês tão fortemente fumado que parece ter sido feito com água de demolhar chouriços,
estacionei no Earl Grey, o mais famoso conde do mundo a que já ouvi chamar
early grey (será, talvez, um conde madrugador…) e a ele volto todos os dias de
manhã, por isso o baptizei de early grey
for late blues, o meu antidepressivo diário.
À muito snob mãe do livro das “Gémeas” tenho a dizer que fique com o chá
chinês todo para ela. Da China só quero a china
para poder saborear o chá em todo o seu esplendor.
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