Páginas

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

CRUELLA

Dela diz-se, dizem as más línguas, de dentro e sobretudo de fora da tribo, que se tornou conhecida por, minutos depois da prisão doutro de dentro da tribo, lá ter aparecido como sua visita, na qualidade de sua namorada. O namorado estranhou, pois dela não guardava essa recordação, mas depois entranhou. Ainda segundo as más línguas, Cruella assim procedeu seguindo ordens da tribo para limpeza da imagem do putativo namorado, suspeito que era de crimes de pedofilia (tipo de crime descoberto por uma comunicação social ignorante, desconhecedora não só de que o sufixo filia – do grego – indicia doença ou obsessão como do Código Penal, disponível para leitura no Diário da República).

Pormenores. Voltemos ao pormaior, ou seja a Cruella.

Fora dos holofotes, qual formiga movendo-se nos carreiros da tribo, para trás e para a frente, fazendo o que tem que ser feito, sempre segundo os ditames da tribo, foi laboriosamente construindo uma carreira, começada muito cedo, por tradição familiar, tanto que aos 22 anos já tinha assegurado um lugar num carreiro dourado, onde, mais de um quarto de século  depois, ainda pontifica.

Atingiu a celebridade por alegadamente ter sido a artífice, estratega e autora moral e escriba material de acordos da tribo com outras duas tribos, todas há muito desavindas, e que permitiu guindar a sua ao estatuto de tribo-mor. A tradição familiar faz com que membros da sua família se movam no círculo próximo do chefe da tribo, com lugares e prebendas várias, numa endogamia de fazer inveja a caracóis.

Içada por fim à alcândora, verteu desilusão: fraca tribuna, pouco e pobre vocabulário, repetição do modismo do momento, diz, repete e volta a repetir, frases pomposas repletas de um vazio sem fim, opiniões não se lhe conhecem, só o papaguear do catecismo oficial da tribo, com respeito visceral ao cânone vigente – ou seja, ao chefe -, o que é também notório em conversas semanais com outros três estarolas, que fazem de conta debater as opiniões diferentes que não têm, tudo para receber cachet a título de direitos de autor, suprema ironia por ali não haver vislumbre de ideia ou pensamento originais.

A não ser que os ventos mudem, há-de ir longe. Aliás, parafraseando outro da tribo, bronco mas muito sabido, todos os do seu clã hádem ir. No pequeno mundo em que vivem e se movem, longe será  vir para Lisboa, viver na corte e dela recolher benesses, e vir de carro marca alemã topo de gama, com motorista, já é ir mais longe do que simplesmente apanhar o cacilheiro que separa as duas margens.

Alcunhei-a de Cruella porque sempre que a vejo, para além do arrepio de frio que me provocam a fácies, seca e dura, os lábios finos e apertados, o cabelo preto sempre esticado e colado ao rosto, a cara de má, de maus fígados, piores digestões e muita prisão de ventre, a imagino a matar dálmatas para lhes vestir a pele, que é o que metaforicamente faz, sendo os dálmatas todos os que não são da tribo, ou seja, nós.

Sem comentários:

Enviar um comentário