Digo a loira porque, não rimando com ouro (e sendo oiro piroso), rimava com ela. A loira era uma morena de cabelo bem escuro. Começou por fazer madeixas quando as mesmas se tornaram novidade no nosso país, usava o cabelo liso num laborioso apanhado, o que lhe dava um ar moderno e despojado se comparada com as “mises” das nossas mães, que saiam do cabeleireiro com uma espécie de colchão na cabeça, tanto os seus cabelos eram ripado, armados e lacados.
A loira vestia-se de forma moderna e sempre na moda. Como trabalhava fora – e logo em loja de roupa – tinha na aparência o cuidado e esmero que as nossas mães, que só trabalhavam dentro, apenas cultivavam quando saiam com os maridos ou em ocasiões especiais, como casamentos e baptizados, às vezes festas de aniversário, mas, lá está, sempre de “colchão” na cabeça.
A
loira lia, era cultivada, falava com sotaque lisboeta, ria-se educadamente dos
nossos “óitos” e das nossas vocais abertas, como “é” de Manélinha, que ela dizia Manelinha,
como se o “e” se lhe fosse sumir na garganta.
A
loira cativava-nos com os seus abraços, com as perguntas que nos iam directas
ao coração, com as conversas abertas nas quais, sem julgamento nem crítica, nos
ouvia e dizia a palavra certa no momento certo.
A
loira foi amor à primeira vista para todos nós. Parece que também terá sido
para o que veio a ser seu marido, que pensou ter ganho a taluda sem ter
comprado a cautela. Pois, o problema foi a falta de cautela... O homem gostou
de passear a loira – que homem não teria gostado! - , bem apessoada, bem
falante, dona de casa e cozinheira esmerada, mas também mulher cosmopolita que
não se acanhava em frequentar cabarets onde se exibiam espectáculos de moral
mais do que duvidosa e disso falava com naturalidade, e que usava camisas de
noite transparentes e baby dolls com menos tecido do que um biquini. A loira,
com o tempo, ficou loira mesmo, só que platinada,
imitação de Grace Kelly, cujas parecenças anunciava antes que alguém as notasse.
O cabelo aclarava, aclarava, mas não havia meio
de que loiro rimasse com oiro, o fim do arco-íris nunca mais
chegava e loira cansou-se por fim do papel de loira, e tornou-se uma
mulherzinha vulgar e ordinária, engordou, perdeu o charme, gritava nas escadas
do prédio de oito andares que era sopeira apesar de casada com homem rico, que
já nem marido era por virtude dos problemas da próstata, bebia ao pequeno
almoço litros de café forte aditivados com lexotans que colocava no centro da
língua esticada da serpente melíflua em que se havia metamorfoseado.
Tudo
isto acabou mal, quinze anos depois de ter começado, já lá vão mais de trinta,
com direito a notícia no Correio da Manhã.
Na
última vez que a vi, deslizava sinuosamente pela Rua do Ouro em direcção à dos
Fanqueiros, suprema ironia, acabar na fancaria depois de tanto almejar
e conseguir o ouro... Mantinha o cabelo loiro à Grace Kelly, o adiposo
perímetro abdominal e o ar de mulherzinha vulgar.
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