Oh when I look back now
That summer seemed to last forever
And if I had the choice
Ya - I'd always wanna be there
Those were the best days of my life.
Bryan Adams – Summer of 69 (1984)
Em
1984, o Mundo e a Europa tinham menos Países, não havia Estados bálticos nem
balcânicos, e muito menos ex-repúblicas socialistas soviéticas, a revolução de
veludo checa estava no estado embrionário que permitiu a publicação de A
Insustentável Leveza do Ser, de Kundera, mas havia duas Alemanhas, a do
lado de cá e a do lado de lá da Cortina de Ferro, nos quais se desenrolava uma
Guerra. Fria, como dizem que se serve a vingança.
Em
1984 Portugal estava a viver a contas com um segundo resgate duma segunda
bancarrota em menos de uma década, a inflacção era estratosfériaca e
ultrapassava (muito) os 20%, as taxas de juro do crédito à habitação atingiram
os 32% (t r i n t a e d o i s p o r c e n
t o….), enfrentava-se o auge da actividade terrorista das FP 25, não havia
VW em Palmela e a Península de Setúbal tinha enormes bolsas de pobreza, Setúbal
teve um bispo que apelidaram de vermelho, António Variações morreu vítima da
doença que, com Rock Hudson, viria a tornar-se mediaticamente famosa no ano
seguinte. Bryan Adams inundava as rádios com Heaven e Summer
of 69, os Queen faziam furor com Radio Gaga e I want to break free, e
só os muito entendidos conseguiam perceber a obscenidade de Relax,
dos Frankie Goes to Hollywood, porque a Madonna a entoar Like a Virgin toda a
gente percebia que era só mesmo like…., até porque Cindi Lauper nos
garantia que Girls wanna have fun – e oh se queríamos, com a certeza
absoluta de que, como cantavam os Alphaville, seríamos Forever Young … Do
cinema, recordo um filme inglês nada mainstream, com Michael Caine como cabeça
de cartaz - A Educação de Rita. Todos os bons filmes de 1984 só por cá
passaram no ano seguinte – Amadeus, Passagem Para a India, O Império do Sol.
Aos sábados à noite, a TV passava A Jóia
da Coroa, uma das melhores séries britânicas de sempre.
Em
1984 Portugal queria muito mas ainda não estava na CEE, como tinham reclamado
os Táxi uns anos antes, estava apenas na EFTA, o que não servia de prémio de consolação.
Aliás, em 1984, a CEE só tinha porta de entrada, EXIT era uma forma de escrita
para quem se enganava a escrever hesite…
Em
1984 o Futebol Clube do Porto estava a iniciar a sua fulgurante carreira,
estreando-se numa final europeia da Taça das Taças, que perdeu frente à
Juventus.
Em
1984, Portugal esteve na fase final do Europeu de Futebol, no qual se
apresentou muito inovadoramente com quatro Misters
mas com a conservadora imagem dos padrões então vigentes – calções muito
curtinhos, que mal tapavam a bochecha dos glúteos, homens que não só não se
depilavam (omissão que partilhavam com
algumas - muitas - mulheres) como ainda faziam gala de adornar a cabeça com
enormes guedelhas e farfalhudos bigodes, a fazer as vezes das actuais
tatuagens, e que, como não praticavam musculação nem tinham Personal Trainers, eram enfezaditos
q.b., sobretudo quando comparados com os latagões da Europa do Norte.
Em
1984 não se trabalhava a psique nem se geriam os egos e Chalana foi muito
criticado por ter feito um jogo individualista, dizia-se que à procura de um
contrato chorudo, que conseguiu a final – 90.000 contos, um ror de dinheiro
para a época e país em que vivíamos (quatrocentos e cinquenta mil euros em
conversão directa ou 2,1MM€, com correcção monetária, uma fortuna que hoje não
daria para comprar uma casa na Quinta da Marinha). Mas em 1984 já havia
invejosos – houve sempre, é só ler a
Tragédia Clássica ou o Bardo da Velha Albion - e logo se apoucou o Chalana,
um joguete nas mãos de Anabela, sua mulher e portadora de canudo de licenciada,
que lhe controlaria a vida e aspiraria a gestora de conta, já que o BCP ainda
não chegara com tal revolucionário conceito…
Em
1984 um País inteiro sabia que tinha batido tão no fundo que só podia melhorar
e sonhava com uma CEE ao virar da esquina para o tirar da miséria. Mas antes do
fim dessa miséria chegar quisemos lamber as mágoas por via de um ajuste de
contas com um dos grandes do clube dos ricos e um País inteiro parou na noite
de 23 de Junho de 1984 – apenas no dia
seguinte ao da grande operação policial que deteve os operacionais das FP25
– para ver o duelo das meias finais que opôs França a Portugal, depois de no
Grupo da Morte que lhe tinha calhado – Alemanha, Roménia e Espanha – Portugal
ter despachado Alemanha e Roménia,
empatando com a Espanha.
Em
1984, na noite de S. João, um País inteiro colou-se à televisão, saltou, gritou,
chorou, mas o destino bateu à porta, e, depois de estarmos a ganhar por 2-1, acabamos por perder por 2-3, o golo da vitória marcado em cima dos 119 minutos,
por um sujeito chamado Platini, que logo ali passei a odiar com uma estimação
que o tempo nunca atenuou, só confirmou e ampliou.
Em
1984, durante cento e dezanove minutos, sete mil cento e quarenta segundos, o
tempo parou e nós vivemos em suspenso, numa bolha quente, na ilusão de que, tal
como seríamos Forever Young, o Olimpo era possível
e nele se podiam inscrever novos deuses com nomes portugueses – Gomes, Jordão,
Chalana, Bento, Jaime Pacheco…
Em
1984 o tempo do Olimpo ainda não chegara para o futebol mas chegou sim, e em força, nesse mesmo Verão, nas Olimpíadas de Los
Angeles, onde Carlos Lopes e Rosa Mota subiram ao pódio, o primeiro com ouro, a
segunda com bronze, ganhos nas maratonas, assim levando o nome, a bandeira e o
hino de Portugal mais alto e longe…
Em
1984 só havia dois canais de televisão – e,
com alguma sorte, a cores – as boxes, as fibras e os HD estavam num futuro
de que nem sequer suspeitávamos, pelo que em Agosto, um País inteiro acordou
duas vezes de madrugada para acompanhar as consagrações de Lopes e Rosa…
Em
1984 ainda não sabíamos que depois de 1984, por momentos, alguns mais do que
aqueles sete mil cento e quarenta segundos da noite de S. João, acreditaríamos
ser ricos e não mais pobretes e alegretes, nem que a Guerra Fria iria acabar em
breve para ter como sequela várias guerras muito quentes.
Em
1984 o futuro estava prenhe de todas as oportunidades que, por erros, má
fortuna e várias outras coisas ardentes, viemos a desperdiçar.
Em
1984 eramos jovens, apaixonados e crentes e por isso vivemos os melhores tempos
das nossas vidas, não só por sermos novos, apaixonados e crentes
mas sobretudo porque estávamos imbuídos do mais precioso dos sentimentos: a esperança...
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