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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

OS MELHORES TEMPOS DAS NOSSAS VIDAS


Oh when I look back now
That summer seemed to last forever
And if I had the choice
Ya - I'd always wanna be there
Those were the best days of my life.


     Bryan Adams – Summer of 69 (1984)

Em 1984, o Mundo e a Europa tinham menos Países, não havia Estados bálticos nem balcânicos, e muito menos ex-repúblicas socialistas soviéticas, a revolução de veludo checa estava no estado embrionário que permitiu a publicação de A Insustentável Leveza do Ser, de Kundera, mas havia duas Alemanhas, a do lado de cá e a do lado de lá da Cortina de Ferro, nos quais se desenrolava uma Guerra. Fria, como dizem que se serve a vingança.
Em 1984 Portugal estava a viver a contas com um segundo resgate duma segunda bancarrota em menos de uma década, a inflacção era estratosfériaca e ultrapassava (muito) os 20%, as taxas de juro do crédito à habitação atingiram os 32% (t r i n t a  e  d o i s p o r c e n t o….), enfrentava-se o auge da actividade terrorista das FP 25, não havia VW em Palmela e a Península de Setúbal tinha enormes bolsas de pobreza, Setúbal teve um bispo que apelidaram de vermelho, António Variações morreu vítima da doença que, com Rock Hudson, viria a tornar-se mediaticamente famosa no ano seguinte. Bryan Adams inundava as rádios com Heaven e Summer of 69, os Queen faziam furor com Radio Gaga e I want to break free, e só os muito entendidos conseguiam perceber a obscenidade de Relax, dos Frankie Goes to Hollywood, porque a Madonna a entoar Like a Virgin toda a gente percebia que era só mesmo like…., até porque Cindi Lauper nos garantia que Girls wanna have fun – e oh se queríamos, com a certeza absoluta de que, como cantavam os Alphaville, seríamos Forever Young … Do cinema, recordo um filme inglês nada mainstream, com Michael Caine como cabeça de cartaz - A Educação de Rita. Todos os bons filmes de 1984 só por cá passaram no ano seguinte – Amadeus, Passagem Para a India, O Império do Sol. Aos sábados à noite, a TV passava  A Jóia da Coroa, uma das melhores séries britânicas de sempre.
Em 1984 Portugal queria muito mas ainda não estava na CEE, como tinham reclamado os Táxi uns anos antes, estava apenas na EFTA, o que não servia de prémio de consolação. Aliás, em 1984, a CEE só tinha porta de entrada, EXIT era uma forma de escrita para quem se enganava a escrever hesite…
Em 1984 o Futebol Clube do Porto estava a iniciar a sua fulgurante carreira, estreando-se numa final europeia da Taça das Taças, que perdeu frente à Juventus.
Em 1984, Portugal esteve na fase final do Europeu de Futebol, no qual se apresentou muito inovadoramente com quatro Misters mas com a conservadora imagem dos padrões então vigentes – calções muito curtinhos, que mal tapavam a bochecha dos glúteos, homens que não só não se depilavam (omissão que partilhavam com algumas - muitas - mulheres) como ainda faziam gala de adornar a cabeça com enormes guedelhas e farfalhudos bigodes, a fazer as vezes das actuais tatuagens, e que, como não praticavam musculação nem tinham Personal Trainers, eram enfezaditos q.b., sobretudo quando comparados com os latagões da Europa do Norte.
Em 1984 não se trabalhava a psique nem se geriam os egos e Chalana foi muito criticado por ter feito um jogo individualista, dizia-se que à procura de um contrato chorudo, que conseguiu a final – 90.000 contos, um ror de dinheiro para a época e país em que vivíamos (quatrocentos e cinquenta mil euros em conversão directa ou 2,1MM€, com correcção monetária, uma fortuna que hoje não daria para comprar uma casa na Quinta da Marinha). Mas em 1984 já havia invejosos – houve sempre, é só ler a Tragédia Clássica ou o Bardo da Velha Albion - e logo se apoucou o Chalana, um joguete nas mãos de Anabela, sua mulher e portadora de canudo de licenciada, que lhe controlaria a vida e aspiraria a gestora de conta, já que o BCP ainda não chegara com tal revolucionário conceito…
Em 1984 um País inteiro sabia que tinha batido tão no fundo que só podia melhorar e sonhava com uma CEE ao virar da esquina para o tirar da miséria. Mas antes do fim dessa miséria chegar quisemos lamber as mágoas por via de um ajuste de contas com um dos grandes do clube dos ricos e um País inteiro parou na noite de 23 de Junho de 1984 – apenas no dia seguinte ao da grande operação policial que deteve os operacionais das FP25 – para ver o duelo das meias finais que opôs França a Portugal, depois de no Grupo da Morte que lhe tinha calhado – Alemanha, Roménia e Espanha – Portugal ter despachado Alemanha e  Roménia, empatando com a Espanha.
Em 1984, na noite de S. João, um País inteiro colou-se à televisão, saltou, gritou, chorou, mas o destino bateu à porta, e, depois de estarmos a ganhar por 2-1, acabamos por perder por 2-3, o golo da vitória marcado em cima dos 119 minutos, por um sujeito chamado Platini, que logo ali passei a odiar com uma estimação que o tempo nunca atenuou, só confirmou e ampliou.
Em 1984, durante cento e dezanove minutos, sete mil cento e quarenta segundos, o tempo parou e nós vivemos em suspenso, numa bolha quente, na ilusão de que, tal como seríamos Forever Young, o Olimpo era possível e nele se podiam inscrever novos deuses com nomes portugueses – Gomes, Jordão, Chalana, Bento, Jaime Pacheco…
Em 1984 o tempo do Olimpo ainda não chegara para o futebol  mas chegou sim, e em força, nesse mesmo Verão, nas Olimpíadas de Los Angeles, onde Carlos Lopes e Rosa Mota subiram ao pódio, o primeiro com ouro, a segunda com bronze, ganhos nas maratonas, assim levando o nome, a bandeira e o hino de Portugal mais alto e longe…
Em 1984 só havia dois canais de televisão – e, com alguma sorte, a cores – as boxes, as fibras e os HD estavam num futuro de que nem sequer suspeitávamos, pelo que em Agosto, um País inteiro acordou duas vezes de madrugada para acompanhar as consagrações de Lopes e Rosa…
Em 1984 ainda não sabíamos que depois de 1984, por momentos, alguns mais do que aqueles sete mil cento e quarenta segundos da noite de S. João, acreditaríamos ser ricos e não mais pobretes e alegretes, nem que a Guerra Fria iria acabar em breve para ter como sequela várias guerras muito quentes.
Em 1984 o futuro estava prenhe de todas as oportunidades que, por erros, má fortuna e várias outras coisas ardentes, viemos a desperdiçar.

Em 1984 eramos jovens, apaixonados e crentes e por isso vivemos os melhores tempos das nossas vidas, não só por sermos novos, apaixonados e crentes mas sobretudo porque estávamos imbuídos do mais precioso dos sentimentos: a esperança...

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