“ Nesta casa fazem-se leis, leis que são a base da sociedade […].
Neste momento são aprovadas cada vez mais leis, que, de forma preocupante, ameaçam violar a Constituição, os Direitos Humanos e outras convenções internacionais, leis que são regateadas no seio de acordos políticos maiores, são aprovadas à pressa pois é uma vergonha discuti-las. As pessoas não são ouvidas e isso […] não é apenas desleixo, é decididamente antidemocrático”
Eu diria ainda que no Parlamento se aprovam leis que agridem a nossa inteligência e decência, leis mal feitas, que não respeitam a língua portuguesa, nem princípios básicos do Direito, como o da não retroactividade, leis que são aprovadas para resolver casos (mediaticamente) concretos, leis substantivas que não são adequadamente adaptadas às adjectivas e vice-versa, emaranhados fiscais e administrativos que, com caridade, se chamam leis ou decretos-lei, e que na prática resultam em prejuízo de pobres e fracos e benefício de ricos e poderosos com dinheiro para pagar advogados que, não poucas vezes, são os mesmos que elaboraram esses fios de Ariadne…
E lamento que a casa que devia albergar aqueles que foram eleitos pelo Povo, para legislar para o Povo e em nome do Povo, onde deveria repousar o expoente máximo da soberania dum país, produza documentos como a Resolução publicada no Diário da República no dia 29 de Maio do longínquo ano de 2009, com a qual a Assembleia da República Portuguesa se esmerou num superlativo disparate que rima bem com dislate.
Na verdade, tal Resolução, sob o sumário de “Criação e desenvolvimento de uma «Fábrica de Ideias»”, recomendava ao Governo a criação de um sistema designado «Fábrica de Ideias», que (e passo a citar):
Na verdade, tal Resolução, sob o sumário de “Criação e desenvolvimento de uma «Fábrica de Ideias»”, recomendava ao Governo a criação de um sistema designado «Fábrica de Ideias», que (e passo a citar):
1) Tenha por base boas práticas assentes em cinco princípios de inovação universalmente aceites:
a) Busca da inovação ao nível do conceito do serviço a prestar ao cidadão, levando em conta, designadamente:
Quem são os grupos de cidadãos a servir;
Que produtos ou serviços serão oferecidos;
Como serão oferecidos esses produtos ou serviços (parcerias; canais de contacto com o cidadão, etc.);
Que valor será entregue ao cidadão (em conveniência, confiança e poupança de tempo);
Que custo vai o Estado incorrer para entregar esses benefícios ao cidadão;
b) Importação da inovação para a linha da frente, envolvendo sobretudo os funcionários públicos de primeira linha e os cidadãos, já que os projectos de reorganização de serviços têm sistematicamente demonstrado recorrer à intervenção exclusiva de quadros de topo da administração e por vezes de consultores externos, excluindo –se sistematicamente os funcionários de primeira linha, que têm de facto um contacto diário com os problemas dos cidadãos;
c) Definição do quadro futuro a que se aspira e trabalhar para o atingir — melhorar de forma incremental o que existe é uma acção pragmática e defensável mas é também fundamental estimular uma abordagem prospectiva sobre qual o futuro que cada organização pretende para si própria e com esse ponto de partida, desenvolver um plano de migração do presente para esse futuro;
d) Adopção de uma abordagem estruturada de geração e de aceleração da implementação no terreno de ideias inovadoras — o processo de inovação deverá ser estruturado e completo, assentando nas seguintes fases:
i) Pensar o futuro do serviço público em causa;
ii) Estimular a geração de ideias;
iii) Incubar e experimentar as ideias/projectos;
iv) Fazer crescer os projectos, disseminando a sua implementação em múltiplas áreas da Administração Pública;
e) A inovação só se aprende fazendo — o caminho para um indivíduo desenvolver capacidades individuais de inovação não passa por uma longa formação teórica. A única forma de se aprender a inovar é fazendo inovação, trabalhando sobre temas concretos e reais;
2) Assente em:
Processos de inovação — definição de um processo sistemático para construir uma visão sobre o futuro, gerar ideias, acelerar a sua implementação no terreno e disseminar o seu âmbito de actuação;
Modelo de «governança» — definição dos actores do sistema de inovação (internos e externos à Administração Pública), quais são as suas responsabilidades e poder de decisão. Neste ponto está incluída a definição das competências da central de inovação/Fábrica de Ideias;
Recursos e financiamento — clarificação das origens do financiamento do sistema de inovação, bem como o lançamento e implementação das ideias geradas;
Cultura organizacional e gestão da mudança — é necessário um novo paradigma organizacional na Administração Pública, assente numa nova atitude de abertura aos cidadãos e à sociedade civil, estimulando a iniciativa e o empreendedorismo dos funcionários públicos, recompensando o mérito e eliminando a estigmatização do erro;
Métricas de inovação — definição dos indicadores de desempenho do sistema de inovação, bem como do valor dos contributos dos seus intervenientes, designadamente dos funcionários. Clarificação do mecanismo de reporte de resultados à tutela;
Ecossistema de parceiros para a inovação — definição dos parceiros a envolver, designadamente instituições particulares de solidariedade social (IPSS), empresas, universidades, organizações não governamentais (ONG), co -investidores, etc.);
Ferramentas tecnológicas de suporte — especificação das ferramentas de colaboração necessárias a uma interacção profícua entre funcionários, gestores de topo da Administração Pública, cidadãos e parceiros para a inovação;
3) Atribua prémios, proceda à alocação dos recursos necessários e assegure uma avaliação independente. Para isso propõe -se:
O estabelecimento de um prémio para todas as ideias seleccionadas e implementadas, cuja fórmula de cálculo integre, nomeadamente os seguintes factores:
a) Utilidade da proposta;
b) Factor realização (grau de dificuldade dos problemas e do desenvolvimento do percurso de resolução);
c) Factor aplicação (grau de melhoramento dos serviços);
O sistema de avaliação das propostas, de forma a ser eficaz e capaz de ganhar a confiança de cada funcionário público, deve ser independente dos serviços em concreto e prever a possibilidade de cada funcionário público fazer chegar a sua proposta ao sistema, independentemente do conhecimento do seu superior hierárquico;
A constituição em cada ministério de um núcleo de inovação com a responsabilidade de analisar e fazer a filtragem de cada proposta apresentada relativamente aos serviços que estão na sua dependência.
Com ideias destas para quê "Incubar e experimentar outras", basta-nos "gerar estas ideias, acelerar a sua implementação no terreno e disseminar o seu âmbito de actuação" sem esquecer o "Modelo de «governança»" e a "definição dos actores do sistema de inovação".
E que tal o "Ecossistema de parceiros para a inovação", que nos faz sentir um daqueles bichos exóticos da Costa Rica cheio de cores e olhos esbugalhados, um pouco jurássicos, é verdade, mas perante todo este dislate qualquer pessoa se sente não apenas jurássico mas sim pré-jurássica, fóssil mesmo, daqueles que já só existem no fundo do mar!!!
É, primeiro ri-me, depois caí em mim e reflecti sobre a pobreza e vacuidade daquele texto, que serve para tudo – basta substituir “inovação” por “produtividade” ou “poupança” ou “cultura” ou “integração” e fazer uns poucos ajustes e o texto mantém-se em todo o seu esplendor vazio e fátuo, sem significar rigorosamente nada, tanto que, ao que sei, até à presente data, quase seis anos volvidos sobre aquela data histórica, a fábrica das ideias não entrou em produção ou se entrou deve ter falido entretanto.
Usando as próprias pérolas da resolução, parece que a migração do actual presente para esse futuro deu um valente bode cheio de barbas e chifre muito duro!
Mas como quero ser moderna – rectius, pós-moderna!!! -, resolvi adoptar uma abordagem estruturada de geração e de aceleração da implementação no terreno de ideias inovadoras e incubei uma ideia: proibir os deputados e o governo de aprovar e publicar mais do que 25 Leis, 50 Decretos-Lei e 100 Portarias por ano, diplomas estes que teriam que passar pelo crivo de linguistas e juristas a sério. Estou em crer que esta nova métrica de inovação conduziria a um novo paradigma na qualidade de vida dos actores do teatro da justiça (advogados, magistrados, juristas em geral) e todas as demais pessoas!
E, claro, obrigaria a magistratura judicial a fazer o que se faz na Alemanha e USA, só para dar dois exemplos: cumprir os artºs 9º e 10º do Código Civil, ou seja: interpretar a lei reconstituindo o pensamento legislativo, tendo "em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi elaborada" e integrar as lacunas "segundo a norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema"!.
Temos um Código Civil de inegável qualidade, obra de fôlego e provavelmente o único Código de jeito e com direito a esse nome que existe em Portugal, que nos dá ferramentas para fazermos uma boa governança da justiça mas parece que o que a malta que faz e aplica as leis quer é mesmo governar-se…
Agora vou tratar de mandar uns benurons pelas minhas goelas pré-jurássicas abaixo e ver se desincubo o vírus do disparate…
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