Viajar de avião tornou-se uma indignidade, um massacre, uma afronta à inteligência, à decência e ao bom gosto – e não é só pelo tamanho exíguo dos assentos, que me obrigam a viajar com os joelhos encostados aos maxilares e sempre com o pânico de poder ter uma flebite...
O pior de tudo, mesmo pior do que as entradas e saídas do avião, e correspondente frenética actividade de encafuar e desencafuar mala de cabine, sacos da free shop, casacos, pastas de computadores, e sabe Deus o que mais, é o controlo de segurança.
O pior de tudo, mesmo pior do que as entradas e saídas do avião, e correspondente frenética actividade de encafuar e desencafuar mala de cabine, sacos da free shop, casacos, pastas de computadores, e sabe Deus o que mais, é o controlo de segurança.
Com o check-in efectuado online, só tenho que enfrentar o stress pré e pós traumático da zona de controlo.
O próprio nome de “Zona de Controlo” faz lembrar um filme musculado do Paul Greengrass, pois na verdade parece que estamos a sair da normalidade para entrar num território da quinta dimensão, minado, armadilhado, com arame farpado …
Em farpas é como me sinto depois da triste figura que faço e vejo os demais fazer.
Chego à “Zona de controlo” sempre a rezar para que não seja dia de um qualquer êxodo, para não correr o risco de perder o avião. Enquanto espero na fila, dispo o(s) casaco(s), não tiro o cinto nem o relógio porque já não os levo, as chaves ficaram todas em casa pelo que também não tenho que me preocupar com elas. Na pequena pasta de mão carrego o TM, o ipad, o kit com o saco com cosméticos sempre pronto a voar (mais dois ou três sacos de reserva não vá dar-se o caso de aquele ter um percalço) e, claro, o indispensável livro.
Atrás e à frente da minha pessoa ensaiam-se passos, voltas e gestos que se traduzem numa coreografia encenada de um autêntico strip tease, que varia entre o grotesco-grotesco – indivíduos que tiram o cinto e ficam imediatamente com o cós das calças pelo meio do “sim-senhor”, quedando-se o dito cujo, por força da descida da roupa interior provocada pelo rebaixar das calças, parcialmente ao alcance da visão de qualquer um; como sou púdica, sobretudo em relação aos atentados à estética, desvio sempre o olhar, não tendo ainda podido comprovar a existência de tatuagens, piercings e afins, naquela particular zona do corpo, o que não deixaria de ser uma manifestação adicional de bom gosto e requinte… - e o apenas grotesco - sapatos que se tiram deixando ficar à vista “batatas” nas meias, ou seja, uma finesse sem igual, que condiz lindamente com os relógios de marca, “ipods”, “iphones” e “ipads” dos passeadores das “batatas”; senhoras altas e vistosas que, ao tirar os perigosos artefactos com que massacram os pés, são tragadas pelo chão, ficando fora do meu raio de visão, até que as descubro bem abaixo da linha das minhas omoplatas …
Quando finalmente me acerco das máquinas de raio X, cumpro a minha própria coreografia, já decorada por força de tanto ensaio - atiro a mala de cabine para o tapete rolante e busco 1, 2, 3, 4 tabuleiros, o primeiro para a carteira, TM e ipad, o segundo para o(s) casaco(s) – não sem pensar nos chãos imundos que tirão pisados os sapatos que lá possam ter sido colocados antes do(s) meu(s) casaco(s) -, o terceiro para o saquinho-vileda-de-congelação-que-também-serve-para-os-cosméticos, fazendo uma tentativa impossível de o fechar, o quarto para as botas ou sapatos que me obrigam a descalçar [{#%&@§!!!}].
Mais uns pés de dança e passo o arco do detector. Às vezes apita. Como não levo bijuteria nem jóias, não tenho próteses (ou terei?! – tenho que perguntar ao dentista…) fico a pensar no que poderá ter activado o detector. Os colchetes do soutien?! Melhor levar um top inteiro da próxima vez…
Segue-se um momento de indizível desconforto – abrir os braços como Cristo (enquanto interiomente canto I’m like a bird, na tentativa de me pôr a milhas do sítio onde estou…), colocar as pernas em V (sempre descalça, note-se, e com a atenção concentrada no primeiro, segundo, terceiro e quarto tabuleiros, que já aguardam no fim do tapete para serem levantados), não respirar (deve ser uma espécie de síndroma do Raio X) e ser apalpada pela agente de serviço.
Luz verde. Afinal não sou proto-terrorista.
Corro para alcançar as minhas coisas. Calço as botas no maior desconforto, dando voltas sobre mim mesma no esforço de as meter dentro das calças “linha cigarro”, num simulacro de dança tribal ou mesmo da chuva. Consigo não provocar entorses nos pés nem contracturas nas costas. Recolho os haveres do primeiro, segundo e terceiro tabuleiros, e, sincronizadamente, reponho-os nos lugares a que pertencem.
Respiro fundo (finalmente e só agora, após a sessão com a senhora do Raio X) e avanço para a porta de embarque.
Penso que esta já está e fico aliviada.
Suspendo de novo a respiração quando me lembro de que ainda falta o regresso...
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