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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

BORGEN



«Mantém os teus amigos perto de ti e os inimigos mais perto ainda»
                                                                                             Maquiavel

Esta frase abre um  dos episódios de uma das melhores séries de política actualmente transmitida na televisão portuguesa (RTP2, 2ª-6ª, 22h00).
BORGEN (Castelo) é a sede física do Governo, do Parlamento e do Supremo Tribunal dinamarqueses - naquilo que pode ser entendido como uma afronta ao princípio da separação de poderes...
A actualidade evidente dos temas - spin doctors, presença no Afeganistão, transmissão aos media de informação incómoda para os adversários, que não raras vezes são os do próprio partido (a revelação das "gaffes"  de "dress code" e o mau inglês do Ministro dos Negocios Estrangeiros, armadilhas sexuais a políticos cujas inclinações ainda são fora da norma, só para referir dois exemplos), jornalismo de sarjeta, formação de governos num contexto de pulverização de votos, questões ambientais versus produção industrial -, as excelentes interpretações, a densidade psicológica das principais personagens, a carga dramática do enredo e o ritmo da narrativa transmitem credibilidade a todo o projecto, apesar de quando em vez quase parecer que se está a resvalar para a "soap opera" - é apenas "quase", os limites ainda não foram transpostos.
A intrigalhada política é acutilante (lá, como cá, os golpes baixos são mais do que muitos) mas são os pequenos pormenores - que, às vezes, são "pormaiores" - que fazem a diferença.
A protagonista é a primeira-ministra (muito bonita e moderna, por sinal), a mais que improvável candidata para o cargo, que lá chega por força do efeito combinado de um poderoso e improvisado discurso no último debate e do imprevisível ricochete de uma intriga lançada nesse mesmo debate pelo candidato do Partido Trabalhista, até então o melhor posicionado para ganhar as eleições.
O resultado foi o Partido Moderado ter tido uma subida de votos que lhe permitiu liderar um Governo de Coligação a três. Se as Coligações a dois são o que sabemos, o ménage a trois dinamarquês é muito quente, algumas vezes pornográfico, outras obsceno - politicamente falando, claro, embora não se escondam ligações amorosas ou meramente ocasionais que o especial micro-clima do BORGEN parece propiciar.
Depois, acontece o costume: o brutal ajustamento da teoria das promessas à prática da realidade nua e crua de números, interesses, compromissos, não raras vezes internacionais.
E, quando a consciência ainda fala mais alto, pergunta-se "Onde está aquele que eu era antes?!", não necessariamente para saber a resposta...
Não ficam de fora os efeitos devastadores da política nos próprios políticos mas também nos familiares próximos - a mulher do ex-PM é uma consumista compulsiva e esse comportamente conduz o marido a uma  derrocada eleitoral; a nova PM divorcia-se, nada de mais nos tempos actuais, mas tal facto começa a ser explorado pelos media, que a acusam de não saber governar a própria casa quanto mais o País...
Um dos grandes interesses da série reside precisamente na obervação dos bastidores da actuação dos "spins" e dos media, numa relação conturbada, muito promíscua e onde nunca há culpados, só vítimas...
Brutus há muitos e para todos os gostos e o prenúncio de drama perpassa por grande parte dos episódios.
Tragédia clássica actualizada, com laivos de Hamlet - ele próprio um príncipe dinamarquês -  e da bi-polaridade de Ofélia, BORGEN tem de tudo, e constitui um altíssimo momento de entretenimento televisivo.
Em mim ainda tem outro efeito - ver tudo tão limpo, decorações de interiores tão depuradas e ausência  de segundas filas de estacionamento, dá-me vontade de me meter num avião e visitar a Dinamarca, sem me esquecer de levar um saco cheio de coroas, que lá não há Euros e consta que a vida é carota...  

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