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sexta-feira, 6 de março de 2015

TACÕES ALTOS NO TERREIRO DO PAÇO


O Terreiro do Paço deve o nome ao Paço Real lá instalado por D. Manuel I, que o transferiu do Castelo de S. Jorge, se calhar para assistir, ao vivo e a cores, à largada das caravelas que partiam para as Índias a Oriente e para o Novo Mundo a Ocidente. Com o terramoto de 1755 ruiu o Paço Real e o projecto pombalino transformou o local na bela Praça que hoje conhecemos, rasgada ao rio, com o qual vive uma história feliz de enamoramento e amor, só estilhaçada de cada vez que um novo projecto da edilidade resolve transformar o espaço num cenário apocalíptico.
De lá já não saem caravelas, mas à lindíssima estação de Sul-Sueste, de Cotinelli Telmo, chegam e partem barcos que transportam gentes do Barreiro e outras localidades da margem Sul, quiçá descendentes dos povos que fomos desassossegar na aventura dos Descobrimentos.
Transferido o Paço para outro local, transformada a Praça em área comercial e sede de Ministérios, nem por isso deixaram as gentes de lhe chamar Terreiro do Paço, numa associação inconsciente mas muito icónica ao poder e respectivo exercício. Hoje, e desde a revolução liberal, já não há poder absoluto mas a existência de quatro ministérios na mais bela Praça de Lisboa dá-nos a medida exacta do muito poder que emana daqueles edifícios adequadamente pintados da cor do ouro que traz a riqueza e o poder.
Agora, o Terreiro do Paço é habitado por quatro Ministras.
Que os quatro ministérios que ocupam o Terreiro do Paço sejam chefiados por quatro mulheres é uma coincidência geográfica - podia haver outras quatro mulheres ministras, uma nas Laranjeiras, outra nas Necessidades, outra na Horta Seca, e por aí adiante -, mas está longe de ser um facto banal. É mais uma manifestação de que, paulatinamente e com muito mérito e esforço, as mulheres vão ocupando lugares de destaque na sociedade portuguesa.
O Expresso quis entrevistar essas quatro mulheres. Quis. Mas não conseguiu.
Do total das seis páginas dedicadas à “entrevista”, apenas duas são texto, sendo as duas primeiras integralmente ocupadas com uma fotografia de corpo inteiro das quatro ministras, fotografia essa que resultou particularmente má e infeliz, pois se o objectivo era mostrar pernas, há outras publicações especializadas no assunto.


Quanto ao texto propriamente dito – porque entrevista não houve – considero-o uma completa desilusão. Sei que estas coisas são previamente combinadas entre os jornais e os spin doctors ou assessores dos governantes, mas poderia e deveria ter sido feito mais trabalho de casa que, à margem da “entrevista”, enquadrasse o percurso profissional e pessoal de cada uma daquelas mulheres, todos eles ricos, diversificados e pontuados pela presença na política e na vida pública. Ter a presença simultânea de uma mulher doutorada em Direito, de uma advogada dum escritório conhecido, da filha do antigo poderoso presidente da ANAREC (Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis) e da mais poderosa ministra deste Governo, uma não-política que cada vez mais se afirma com a fibra e a garra que faltam a muitos políticos profissionais, e resumir o artigo a tacões e mini-saias (ou minissaias, acordês dixit) é desconcertante e preguiçoso – para dizer o mínimo...
De Anabela Miranda Rodrigues diz-se, ao de leve, tratar-se da primeira mulher doutorada em Direito na Universidade de Coimbra. Só isto me faria esperar um trabalho de investigação sobre o número de mulheres doutoradas em Direito em Portugal, comparando escolas e especialidades, as respectivas idades, as tendências e evoluções recentes. Até eu o poderia ter feito – se tivesse tempo ou, sobretudo, se fosse a jornalista de serviço. Não se diz, mas sei eu, que Anabela Miranda Rodrigues é especialista em Direito (Processual) Penal, o que daria azo a perguntas acutilantes e de pertinente actualidade:

1.ª: Que o balanço faz do Código de Processo Penal, de autoria do Prof. Figueiredo Dias de quem a Ministra foi assistente, Código este que, em menos de 28 anos de vigência, já teve vinte  - vinte!!! - alterações (comparativamente com o Código de Processo Penal de 1929, que durou até 1987 e teve quatro de alterações, todas elas ditadas pelos “ares liberais” dos tempos – 1945, 1972, 1977 e 1982…), designadamente no que se refere ao facto de o inquérito poder ser deitado fora se em julgamento não for possível reproduzir as provas?!
2.ª: O que pensa sobre a prisão preventiva sem ser no decurso da investigação de crimes contra a integridade física?
3.ª: Como foi singrar em Coimbra, terra de Doutores mas não de Doutoras?
Por outro lado, Anabela Miranda Rodrigues já exerceu outros cargos públicos e alguns com polémica – sobre isso, nada foi dito. Nem lhe foi perguntada a sua visão estratégica para o Ministério que dirige, desde logo a sua posição em relação à existência de múltiplas corporações policiais. Importante, sim, e de relevante interesse público, claro está, é que tenha sido a primeira mulher a passar revista às polícias - que são muitas, como já referido-  e que de tacões altos tenha ido para a fotografia conjunta, embora não tão altos como os da Ministra Cristas…
Em relação a esta, que é a mais nova das quatro e foi mãe em plenas funções de Ministra, gostaria de ter sabido como é que a Senhora Ministra concilia a vida profissional com a pessoal (para além do “é fácil e normal”); não ponho em causa a decisão de não ter tirado licença de maternidade – eu provavelmente teria feito o mesmo em qualquer circunstância – mas já agora era bom saber quantas mães e avós, empregadas e amas contribuem para essa conciliação, porque para o comum das mulheres “não é fácil nem normal”, finda a licença de maternidade a catraiada vai para a creche e as mães passam a meter baixas em cima de baixas para dar assistência às múltiplas viroses que chegam todos os dias da creche, como se de um bónus se tratasse. Já agora, aproveitaria para lhe perguntar qual o efeito prático do não uso de gravatas – para além do efeito mediático-populista da medida, a utilidade da mesma seria a poupança em ar condicionado no Verão. Em que ficamos, no que à conta da electricidade diz respeito (assunto que considero de interesse público, particularmente porque esta semana a empresa presidida pelo Sr. Eng.º Mexia anunciou aumento de lucros)?
Paula Teixeira da Cruz é o exemplo de que a confiança demora anos a construir e se destrói num segundo: com um percurso público e cívico que fala por si e demostra à saciedade de que pensa pela sua cabeça – Advogada, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, defensora da liberalização do aborto, no segundo referendo de 2007 - "espatifou-se" com o Estado de Citius em que colocou o sistema judicial português e ao não assumir as suas responsabilidades políticas de tal facto. Deveria ter sido inquirida até ao tutano sobre o Citius – e sobre o mapa judicial; eu aproveitaria ainda para lhe ter perguntado como vê as consequências práticas da liberalização do aborto, oito anos depois da mesma, e se não deveria ser feito um balanço e introduzir ajustes e correcões, sabendo-se tudo o que se sabe.
Deixo para o fim Maria Luís, que, apesar de tudo, foi quem mais falou e se expôs, com a conta, peso e medida que são seu timbre; mas gostaria de saber o que pensa dos road-shows com o Sr. Vice-Primeiro (embora acredite que ela nada dissesse do que pensa nem sobre aqueles nem sobre este) e, sobretudo, como vê o futuro da Europa e do EURO tendo como pano de fundo as eleições na Grécia, e o futuro de Portugal nesse mesmo contexto, saber como poderemos ser capazes de criar e gerar riqueza que nos tire do ciclo endémico do endividamento e empobrecimento…. Tanta pergunta por fazer, e, no caso dela, tudo resumido a um par de botas…
Podia ter sido pior, pois podia (pode sempre) - podiam ter perguntado a Maria Luís se estava de botas por não ter tido tempo de ir à depilação...
Mas se o Expresso quer continuar a fazer de conta que é um jornal sério - que já há muito deixou de ser, pelo menos desde que publicou a reportagem dos vestidos da Princesa Diana - eu tenho uma sugestão a fazer, em nome da igualdade de género: juntem quatro Ministros ao calhas, assim de repente, lembro-me do Senhor Vice-Primeiro, do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (que não, não é doutorado, apesar de ter teses e opiniões sobre tudo, e infelizmente ser por demais conhecido pelas gaffes internacionais que comete), do Senhor Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional (que também é doutorado e tem carreira académica e internacional) e do Senhor Ministro da Cerveja, rectius, da Economia, fotografem-nos onde quiserem, de preferência num ângulo em que não se veja a tinta que cobre os cabelos que restam a um deles, e comecem por lhes perguntar, em jeito de quebrar o gelo, como foi conciliar carreira e família. Não devem sequer perceber a pergunta, tal como o Senhor Vice-Primeiro não sabia, há alguns anos, mandar um email, porque havia secretárias para o efeito. Passe-se, pois, rapidamente e em força, a assuntos que apaixonam os ministros – sejam eles mulheres ou homens: sapatos, meias, gravatas e respectivos alfinetes, alfaiates, o chá das cinco (ou o copo das sete), etc. Nada a opor, só a favor. Afinal, parece que quem governa são os spins


Adenda: em relação a tacões altos, será de recordar que nos últimos tempos do Paço Real a moda era bastante andrógina e também os reis andavam de meias de seda e sapatos de tacão, já para não falar das perucas e das faces empoadas e pintadas...


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